Uma tarde em uma UPA. Pena que eu não tenha carteirinha do Sírio Libanês.

O nosso ex presidente Lula, em visita a uma UPA da Região Metropolitana de Recife, disse que dava até vontade de ficar doente para ficar internado ali, mas horas depois quando passou mal aqui mesmo (ahhh, o destino…) foi atendido no Hospital Português (um dos mais caros de Recife) e depois foi tratar do câncer no sírio libanês.

Na semana passada eu descobri em primeira mão o motivo (como se não fosse óbvio).

Machuquei a coluna atendendo a um cliente. Precisei passar em um vão muito apertado para passar um cabo de rede e ao espremer a perna contra o corpo senti a pontada na lombar. Depois disso a coluna começou a travar. Aconteceu por volta das 9 da manhã mas me esforcei para terminar o serviço do cliente e só sai às 14h30. Eu tenho plano de saúde da Unimed, mas o hospital de referência ficava a cerca de 17km e no caminho para ele eu passava por duas UPAs (aos 6 e 12km). E até elas o trânsito e o estacionamento eram fáceis, mas chegar até o hospital da Unimed seria uma loteria. Como a dor era pequena mas crescente (às 10h eu ainda conseguia me abaixar, mas ao meio dia eu já tive que almoçar de pé porque sentar já era um problema) e eu estava com medo de que agravasse e comprometesse até minha capacidade de dirigir e/ou sair do carro no tempo que eu ia levar para alcançar o hospital, decidi arriscar a UPA mais próxima.

Cheguei às 15h. Em um ou dois minutos passei pela triagem, recebi a fitinha verde e pediram que eu aguardasse no corredor de trauma. Não havia lugar para todo mundo se sentar e muita gente já estava de pé (no setor de trauma, imagine…). Para mim não era grande problema porque no estado em que eu estava eu preferia ficar em pé, porque se eu me sentasse poderia não conseguir me levantar mais. Se você nunca teve um problema na coluna lombar nem pode imaginar.

Fiquei lá olhando para o painel esperando que chamassem meu número (aparece também o nome junto). O primeiro problema que você nota é que não há absolutamente nenhuma ordem previsível, pois alguém pode receber um número maior que o seu mas se tiver condição amarela ou for preferencial (gestantes e idosos) será atendido antes.  Minha ficha era TR070 (eu suponho que TR signifique “trauma”). E só havia um ortopedista atendendo. Os números saltavam de TR039 para TR047 e depois pra TR041 (só um exemplo). Era impossível prever quantas pessoas estavam na minha frente.

O sistema de chamada impacienta. O mesmo número é chamado repetidas vezes por o que parece um longo minuto. Em algumas raras ocasiões alguém gritava o nome do paciente (eu imagino que era o responsável pela Imobilização, porque nunca vi o ortopedista sair da sala) mas muitas vezes esse era um tempo perdido porque o paciente simplesmente não estava lá. Até aí, pode parecer que é a favor dos pacientes para que eles não perderem sua vez, mas continuem lendo para ver que não é bem assim.

Durante uma hora eu ainda pude tolerar ficar exclusivamente vigiando o painel e observar as pessoas que passavam, mas depois disso tive que sacar o celular para tentar me entreter com alguma leitura. O tráfego para meu TIM beta estava leeento, mas como o tempo estava sobrando ainda consegui me inteirar dos acontecimentos do dia.

Por volta das 16h50 (1h50min após minha chegada) o painel simplesmente parou de chamar pacientes para o consultório (continuava chamando para o Raio-X e imobilização) e só voltou a chamar por volta das 17h20. Parece que o doutor foi fazer um lanche e ninguém é avisado. Eu estava com a bexiga cheia e não podia ir ao banheiro com medo de perder minha vez.

Aproximadamente às 17h25 meu número foi chamado (se meu número fosse um pouco menor teria sido atendido antes do Coffee Break do médico). Quando eu abri a porta do consultório, o médico disse o nome de uma mulher. Eu expliquei ao doutor que eu tinha sido chamado mas ele insistiu que era outra pessoa, incrédulo, sai da sala e olhei o painel. O painel já estava mesmo chamando outra pessoa. No tempo que eu levei para colocar os pés dentro dos sapatos (tenho pé chato e ficar de pé muito tempo é menos doloroso se eu estiver descalço) e dar 10 passos o sistema já havia desistido de mim, levou menos de 15s para isso embora eu tivesse cansado de ver o mesmo sistema insistir obstinadamente no nome de outras pessoas. Lá constava de fato o meu nome na lista de últimas fichas chamadas e eu disse isso ao médico, mas ele insistiu secamente, sem nem olhar para mim, dizendo “aqui consta fulana de tal”.

E eu esperei 2h25 em pé, sentindo dor e a bexiga cheia para ser ignorado desse jeito. E provavelmente o médico achou que estivesse mentindo ou simplesmente não estava prestando atenção ao painel. Eu estava. O painel toca um aviso sonoro toda vez que troca o nome. E quando fui chamado eu já tinha guardado o telefone há vários minutos. Minha atenção estava toda na minha espera.

Fui ao balcão da recepção explicar o que havia acontecido. Você fala com as recepcionistas por um buraco no vidro que fica mais alto que a altura da minha boca. Eu tenho 1m69, o que é até alto para o padrão nordestino, mas tinha que me esticar para poder falar pelo buraco ou me abaixar para falar pela fenda que fica na altura da cintura por onde são passados documentos (quem projetou isso?). Nenhuma das duas opções era boa para a minha coluna. Acabei falando alto e como era uma reclamação, parecia que eu estava agitado. A moça pediu calma e disse que constava “que eu já havia sido atendido” (é mole?) e que ia fazer uma coisa que eu “não podia contar a ninguém”. Mas enquanto ela digitava algo, meu nome apareceu de novo no painel. Agradeci e fui tão rápido quanto pude com minha dificuldade de locomoção torcendo para o nome não mudar de novo.

Fui finalmente atendido e o médico me mandou para a medicação e em seguida para o Raio-X. Esses dois passos pareceram organizados. Ele teve o cuidado de me mandar para uma sala de medicação em outra ala comentando que havia ocorrido um óbito na ala onde estávamos (eu já sabia disso). No caminho para a medicação eu aproveitei e usei o mictório tão rápido quando minha condição permitia e literalmente sai do banheiro fechando a calça com medo de perder a chamada no painel dessa ala. É importante salientar que na UPA você só pode entrar com acompanhante se for idoso ou menor. Pelas regras eu não poderia ter alguém me acompanhando. Bateu fome ou vontade de ir ao banheiro? Que triste…

O sistema realmente deveria colocar uma lista dos próximos a serem chamados para você poder fazer uma estimativa do tempo que tem.

10 minutos depois sou chamado para a medicação. Tudo transcorreu normalmente e devo ter ficado uns 40 minutos lá. Foi a primeira vez que sentei, porque segundo a auxiliar de enfermagem eu não podia receber a medicação de pé. Enquanto estava sentado recebendo o remédio na veia e imaginando o que poderia acontecer quando eu me levantasse (se você não tem problema na coluna lombar, não faz idéia), decidi que era melhor guardar o smartphone e as chaves do carro no bolso.  Eu estava sozinho, rodeado de estranhos. Melhor evitar que minha situação ficasse pior do que o estritamente inevitável.

Ao sair da medicação (consegui ficar de pé sem problemas), já vi de longe o meu número no painel da outra ala. Eu estava sendo chamado para o Raio-X. Novamente, fui tão rápido quanto pude e ao entrar na sala o operador do Raio-X me perguntou onde eu estava. Na hora eu não entendi o motivo da pergunta, pois deveria ser óbvio para quem tem um computador da UPA na sua frente onde eu estava, mas eu respondi simplesmente “na medicação” e ele não falou mais nada. Fiz as duas chapas da minha lombar e fui avisado que elas seriam enviadas direto para o médico e eu deveria aguardar ser chamado novamente.

E assim fiz. Aguardei pacientemente a chamada que parecia não vir nunca. Eu não podia usar mais o smartphone para me entreter porque a bateria estava acabando e eu podia precisar dele para pedir ajuda e para não perder contato com minha família. Eu tinha como carregar no carro, mas me ausentar estava fora de cogitação. O corredor foi esvaziando e às 20h20 (5h20min após minha chegada) quando só haviam quatro pessoas no corredor, estava realmente desconfiado de que o sistema havia perdido meu número e descobri que meus colegas de espera estavam esperando por pessoas na Imobilização e eu era realmente o último para o consultório. Até uma funcionária da UPA (creio que outra operadora do Raio-X) que já havia passado por mim umas duas ou três vezes no corredor ficou curiosa. Insistiram que eu batesse na porta (eu realmente não gosto disso) e assim o fiz. Expliquei ao doutor que não havia mais ninguém além de mim e achava que tinha sido esquecido mas o médico disse algo como: “seu nome é o próximo, você é realmente o último” e pediu que eu esperasse chamar. Saí e esperei. Nada. Ele me mandou entrar verbalmente e fez nova tentativa de me chamar pelo sistema, pedindo que eu olhasse se havia saído meu nome. Apareceu outro número e outro nome no painel.

Foi aí que eu notei que perdi possivelmente uma hora ali por causa de outro erro no sistema. Poderia ter perdido mais ainda, se houvesse mais gente no corredor. Se o sistema de chamada da UPA não merece confiança o resultado óbvio é que as pessoas acabam tendo toda razão quando batem na porta do médico ou reclamam da demora na recepção, não é mesmo? E essa não é a primeira vez. Eu lembro de há anos ter levado minha mãe na UPA e uma hora depois de ser atendida pelo médico e não ser chamada para medicação eu fui bater na porta do consultório me oferecendo para comprar o remédio se estivesse faltando, para então descobrir que a demora não era falta de remédio (aparentemente você nem é mandado para a medicação se o remédio não existir em estoque) a ficha dela é que tinha sido perdida no sistema e nunca ia ser chamada de novo.

Voltando o meu caso, desta vez o médico foi bem mais educado e atencioso. Mas no total foram 5h30min apenas para tomar uma medicação (que não serviu para nada, eu precisava de anti-inflamatório e só recebi um analgésico), tirar um Raio-X (que não mostrou nada) e receber uma receita de um anti-inflamatório e um relaxante muscular (isso serviu para alguma coisa). E olha que a UPA é uma PPP e os funcionários não são servidores públicos. Se não fosse uma PPP acho que estaria na fila até agora.

Ainda bem que minha condição era verde.

6 comentários
  • Saulo Benigno - 279 Comentários

    Que bom que deu tudo certo? Pena que você só publicou aqui, isso no Facebook ia ser a maior algazzarra, todo mundo falando, comentando… :)

    • Jefferson - 6.465 Comentários

      Bom, acabo de copiar para meu perfil, mas não creio que gere polêmica lá por algumas razões:

      1)É um texto, e longo. O povo do Facebook gosta de se comunicar por imagens.
      2)Não gosto do Facebook e por isso tenho poucas pessoas “me seguindo” lá. Acho que até menos do que tenho aqui.

      • VR5 - 397 Comentários

        Nesse ponto gostava bem mais do “finado” Orkut: pelo menos lá tinham comunidades onde podia-se discutir sobre os mais variados temas… :(

      • Saulo Benigno - 279 Comentários

        Verdade, bem longo… mas aí é trabalho de marketing/SEO ehhehe, mas agora ja foi.

        Começar com uma imagem da UPA, de qualquer UPA, para mostrar quem passa a vista do que se trata o texto sem precisar ler… isso chama 90% de atenção, prende mesmo.

        De resto o texto está sensacional… governo chama gente e conversas no Facebook.

      • Chris Lemos - 1 Comentário

        Boa Tarde,Jefferson!
        Lamento pelo o que você passou e isso acontece com todos,infelizmente.
        Gostaria de saber o que a sigla PPP é,desculpe a ignorância!
        Obrigada.Abraços
        Chris Lemos

        • Jefferson - 6.465 Comentários

          Parceria Público-Privada
          As UPAs geralmente são administradas por uma organização privada e recebem dinheiro do estado.
          Se me recordo bem, na pulseirinha que você recebe aparece o nome da organização que administra.

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