Calma, gente. Antes de se desinscreverem do meu feed (Jefferson pirou?) ou ligarem para a polícia achando que eu fui sequestrado por um terraplanista, leiam até o final.
Esta semana eu finalmente fui ler o resumo do estudo francês que deu início a essa confusão toda sobre a cloroquina e a conclusão a que cheguei é que deve entrar para a estória como um embaraço (para não dizer “vergonha”) para a medicina francesa.
Eu vou fazer uma simplificação bem grosseira do que o tal Didier Raoult parece ter feito. Pegue uma doença qualquer com sintomas incapacitantes mas que naturalmente após alguns dias de repouso a maioria dos doentes vai se recuperar e trate todos os seus pacientes com cuscuz com ovo.
Após alguns dias, que surpresa: a maioria das pessoas tratada com cuscuz com ovo se recuperou. Conclusão clara e inquestionável: Cuscuz com ovo é a cura para a doença. E quem duvidar/negar só pode estar trabalhando para os grandes laboratórios (big pharma).
Ahh… ignore as pessoas que não foram tratadas com cuscuz com ovo e se recuperaram do mesmo jeito. Isso é fundamental.
Mas eu admito que minha comparação é falha. Afinal, o cuscuz com ovo de Raoult pode matar.
Mas vamos ao que realmente interessa: cuscuz com ovo é gostoso?
Eu acho que preciso de um exemplo envolvendo chimarrão e churrasco para vocês do sul entenderem
Até eu que não sou do sul vou adorar esta!
Deu até nó na cabeça, mas ok. Quem acredita que comer cuscuz com ovo da certo bem que coma, quem não quer e não acredita não coma e passe bem.
O que eu acho errado é me proibir de acreditar que o cuscuz com ovo dá certo. Penso que, cada um no seu quadrado, cada um é dono do seu nariz e decide se quer ele inteiro o que ser dar de cara com ele no poste o no chão.
Eu não creio que a lei brasileira o proíba de acreditar no que você quiser. Afinal, não é ilegal sequer acreditar que a terra seja plana. O que a sociedade percebeu há muito tempo (possivelmente séculos) é que é preciso criar mecanismos que, dentro de certos limites, protejam o indivíduo e aqueles que o cercam dos efeitos mais perigosos da ignorância.
O problema do cuscuz com ovo é particularmente grave. É você querer convencer a população (no caso das seitas ao redor de Bolsonaro e Trump) que cuscuz com ovo é um tratamento eficaz para uma doença que não tem tratamento conhecido. Isso cria pelo menos dois problemas:
1)Cria uma falsa sensação de segurança, de que a pessoa tem uma rede de proteção (completamente imaginária) se decidir andar à beira do abismo.
2)Praticamente proíbe a pesquisa de um tratamento realmente eficaz. Afinal vai de anti-etico a monstruoso testar medicamentos em pessoas se já existe um tratamento, certo?
No caso do cuscuz com ovo francês existe um terceiro: um pequeno percentual de pessoas que não morreria vai morrer (ou sofrer ainda mais) dos efeitos colaterais.
O que eu acho engraçado é as opiniões flutuantes, que tende para o lado que melhor convém ao momento. Uma certa emissora de tv, tem uma reportagem a época da “dona zica” que só faltou dizer com todas as letras, coma o cuscuz com ovo, ele salva vidas.
Se ele salva ou não quem tem que dizer isso são os médicos. O mais confuso é que existem as duas opiniões.
Pior, antes disso tudo o cuscuz com ovo era vendido sem o menor problema, sem cardápio sem nada. Era e ainda é usado pra outros tipos e muita gente tomava por outros motivos, ai veio essa bagunça toda e ele simplesmente sumiu, não se acha ovo pra fazer o cuscuz.
Essa de as opiniões pender pro lado conveniente, sempre me vem a história do.. ovo faz bem ou mal? De tempos em tempo aparece, faz mal… não coma, ai vem um outro estudo e diz completamente o contrário, coma que faz bem.
Me expressei mal na parte do proibir de acreditar. Seria mais adequado dizer me proibir de comprar material sobre o assunto.
A explicação oficial para isso é que a compra descontrolada e desnecessária do medicamento estava fazendo o medicamento faltar para quem precisa. Se está realmente faltando na sua localidade, você pode atribuir isso à irresponsabilidade de dois presidentes e à ignorância geral da população. Já se pode ser encontrado mas o farmacêutico exige prescrição… você deu uma olhada na bula do cuscuz e na bula do ovo?
Nisso eu concordo com você. Nossa medicina às vezes não parece ter evoluído muito desde a época em que colocar sanguessugas no corpo era um tratamento oficial. Mas é o que nós temos e é melhor do que acreditar na “medicina das redes sociais”.
Entretanto, o disparate desse estudo francês apenas escancara um problema que já era conhecido há muito tempo: que muitos “pesquisadores” se aproveitam de falhas nos processos de “peer review” para publicar estudos fajutos por variadas razões. Às vezes nem eles mesmos sabem que o estudo tem erros de metodologia, mas no caso do estudo francês o cara sabia perfeitamente o que estava fazendo e graças ao fato de que ele era considerado uma autoridade no assunto o estudo viralizou rapidamente apesar de ser evidentemente ruim. Como é possível considerar válido um teste feito com apenas 26 pessoas das quais seis foram retiradas do resultado?
Você não consideraria suspeito um teste de um novo tratamento que começa com 26 pessoas, termina com 20 e proclama 100% de sucesso?
Caramba… até álcool desapareceu das prateleiras de Recife por pelo menos um mês porque as pessoas compraram mais do que realmente precisavam. Eu achei inacreditável em um estado onde usinas de álcool são praticamente um patrimônio cultural e foi então que eu descobri duas coisas:
1)O “gel” do álcool em gel (o espessante) requer uma substância importada da China, Índia e Alemanha.
2)As usinas de cana de açúcar são proibidas pela Anvisa de produzir alcool antiséptico.
Tem coisa pior… papel higiênico! No inicio da prisão domiciliar, um amigo em comum nosso viu uma senhora botar nada mais nada menos que (senão me engano) 6 fardos de 16 rolos no carrinho e ao ser indagada era medo de faltar.
Pior, eu vi cena similar por aqui algumas vezes.
Ai vem a pergunta, quanto dura um rolo em média? 15 dias? Ai a senhora levando 6 fardos de 16 rolos fica 2 anos sem comprar… misericórdia né?
Isso pode ter alguma coisa a ver com de onde essas pessoas obtém informação. Possivelmente essas pessoas tem parentes ou amigos no EUA, porque lá houve mesmo falta de papel higiênico. Alguns atribuem isso a um rumor que circula há muitos anos nos EUA de que uma piada feita pelo comediante Johnny Carson em 1973 sobre escassez de papel higiênico provocou uma grande escassez do produto no mesmo ano.
Esqueci de dizer que existe também os que compram em grande quantidade não com medo de que falte, mas na esperança de que falte. O intuito é revender por preços exorbitantes depois.
É por causa desse tipo de comportamento que aumentar preços sem uma explicação durante uma crise é ilegal tanto aqui quanto nos EUA (e suponho que em qualquer sociedade sã). Do contrário acontecem coisas como a dos dois irmãos do Tennessee que viajaram por dois estados esvaziando prateleiras para revender os produtos por um valor exorbitante depois. Eles só quebraram a cara porque a Amazon, que era o único canal que eles tinham para dar vazão ao estoque, decidiu proibir a venda por preços abusivos já no dia seguinte.
O “engraçado” é que eles só entraram no radar das autoridades porque foram posar de coitados para a imprensa por causa do “prejuízo” que iam ter.
Quando eu vi a primeira notícia de que postos de gasolina estavam sendo multados por aumentarem o preço da gasolina durante a greve dos caminhoneiros eu achei errado, porque “compra quem quiser” e se você tem estoque você faz seu preço. Mas agora eu percebo que a lei existe para reduzir o incentivo a comportamentos como o dos irmãos norte-americanos, que não se limitam a aproveitar uma escassez, mas vão provocar uma escassez artificial motivada por ganância.