Neste post, vou dividir as cargas possíveis em três categorias:
- Cargas resistivas;
- Motores;
- Fontes de alimentação.
O caso das cargas resistivas
Para cargas puramente resistivas (e hoje em dia praticamente isso só existe no chuveiro elétrico, cafeteira e ferro de passar) quando a tensão cai a corrente também cai. Se você estiver tomando um banho quente com um chuveiro sem controle eletrônico e a tensão na sua residência que deveria ser de 220V de repente cai para 150V, nada de ruim vai acontecer com o chuveiro seja a curto ou médio prazo. A água vai ficar mais fria e só. Se você pegar um chuveiro feito para 220V e instalar na sua casa em 110V, o único efeito disso é que ele só vai alcançar a metade um quarto (obrigado, Claudio!) da potência nominal e talvez durar mais. A potência nas cargas resistivas é linearmente proporcional à tensão aplicada. Antigamente todo mundo tinha um detector de queda de tensão na casa na forma da lâmpada incandescente: quando a tensão caía, até mesmo porque uma carga de alta corrente foi ligada em outra parte da casa, notava-se uma redução no brilho da lâmpada, porque esta também era uma carga puramente resistiva. Hoje com a onipresença das lâmpadas de LED você usualmente só percebe que há algo errado se estiver usando um ventilador.
Resumindo: você não precisa se preocupar com subtensão em cargas resistivas.
O caso dos motores
No caso dos motores, (geladeira, bomba d’agua, ar condicionado…) a coisa é contra-intuitiva. Um motor reage a uma queda de tensão com um aumento na corrente de modo a manter sua potência nominal. Então se por exemplo você pega um motor de geladeira com potência nominal de meros 74W projetado para 220V e o deixa operando em 150V eu acredito (nunca fiz um experimento) que seja essa a variação teórica na corrente:
- 74/220=0.336A
- 74/150=0.493A
E para um compressor de ar condicionado split de 600W:
- 600/220= 2.727A
- 600/150= 4A
Parece pouco. Afinal no primeiro caso estamos falando de menos de 160mA de diferença. Porém nos dois casos isso representa um acréscimo de ~50% na corrente de projeto e as perdas por calor são diretamente proporcionais ao quadrado da corrente (Efeito Joule). O motor vai esquentar mais e isso pode (não significa que vai) provocar danos imediatos ou a redução de sua vida útil. Uma complicação extra é que a velocidade do motor é proporcional à tensão, então se o motor refrigera a si mesmo (moto bombas tem uma ventoinha na outra extremidade do eixo) essa refrigeração fica prejudicada justamente numa situação em que ele vai esquentar mais.
Geladeiras costumam ser equipamentos bem “frugais” operando propositalmente com pouca ou nenhuma eletrônica, mas idealmente equipamentos caros que já contam com eletrônica embarcada como condicionadores de ar do tipo split deveriam ter sensores para controlar tudo isso e deixar o fabricante se preocupar com isso seria perfeito pois o equipamento só desligaria quando as condições realmente não fossem mais toleráveis para ele. Mas eu acho muito arriscado apostar no fabricante estar se lixando para isso e a menos que esteja no manual que o aparelho tem proteção contra subtensão (ou que eu tenha dinheiro para comprar e instalar um novo a qualquer tempo), acho melhor não confiar. Existe uma regra geral que diz que para cada 10 graus Celsius em que o motor operar acima da temperatura máxima para a classe de isolamento do enrolamento, sua vida útil cai em 50%. Você pode conferir isso, por exemplo, na página 35 deste manual da WEG. Só o fabricante pode realmente saber que “folga” existe no seu produto para um aumento na temperatura, porque é ele quem sabe a classe de isolamento usada no motor e é ele quem está na posição de fazer as medições necessárias.
Proteção térmica para motores não é algo novo. O problema é que não parece ser algo obrigatório e muito menos obrigatório que seja conveniente para o consumidor doméstico.
Décadas atrás eu dormia com um ventilador na estante dividindo o espaço com livros e acordei com o quarto cheio de fumaça e o ventilador literalmente em chamas, porque um livro havia caído e prendido a hélice. Pensar em como isso poderia ter sido muito pior ainda me assusta. Ventiladores domésticos hoje (eu suponho que esteja na norma NBR11829) são equipados com fusíveis térmicos no enrolamento para evitar que incendeiem em caso de sobrecarga mas esse fusível não é substituível pelo usuário e, se abrir, o ventilador vai ficar inutilizado e requerer reparo especializado. O mesmo problema ocorre na cafeteira e no ferro de passar. E não é porque o ventilador seja barato, porque é assim no Arno VF40 de R$200. Motores maiores podem vir (não necessariamente vem) equipados com termostatos bimetálicos, que são dispositivos de proteção inteiramente mecânicos e simples. Quando a temperatura do termostato passa de um determinado valor, o material nos contatos expande por coeficientes diferentes (são metais diferentes, daí o nome) e então o contato abre e o motor desliga.
Quando o termostato esfria os contatos voltam a encostar e o motor pode ser ligado novamente. Dependendo de como é feita a ligação do motor ele religa automaticamente, mas não é bom para o motor ficar nesse liga-desliga sem supervisão por horas e horas.
Alguns compressores e ventiladores usados em condicionadores de ar costumam vir com a inscrição “thermally protected” na etiqueta, que supostamente significa um tipo ainda mais inteligente de proteção. Mas como ter certeza de que o compressor que está lá dentro do seu condicionador tem essa proteção se não estiver escrito com todas as letras no manual?
E se for a mesma “proteção térmica” dos ventiladores domésticos, que efetivamente “mata” o aparelho, você não vai querer deixar seu equipamento à mercê dessa “proteção”.
Lá em cima, quando eu falei “sem controle eletrônico” ao falar dos chuveiros eu estava pensando em um pequeno detalhe que vale a pena mencionar agora. Caso o chuveiro (na verdade, qualquer sistema de aquecimento baseado em resistência elétrica) tenha um controle eletrônico que use sensores e controle de corrente para manter a temperatura da água constante, ele pode funcionar como motor para os efeitos deste texto. A tensão cai, o sensor detecta a redução na temperatura e o circuito de controle reage aumentando a corrente disponível para manter a potência. Mas supostamente o projetista do equipamento não vai deixar a corrente subir até um ponto acima do tolerado pelo equipamento, já que ele tem controle sobre ela.
O estudo da SCE Corporation
Em algum momento por volta de 2006 (os autores esqueceram de datar o documento e tive que deduzir) a concessionária de energia SCE Corp nos EUA fez uma investigação para determinar por que a tensão da energia fornecida por eles demorava dezenas de segundos para normalizar após uma queda de energia de fração de segundo, quando em condições normais deveria normalizar em menos de um segundo. O resultado foi publicado em um estudo de 59 páginas que afirma que isso era causado pelas unidades de ar condicionado dos consumidores, que “travavam” (stall) pela condição de sub-tensão, gerando um consumo maior até suas proteções internas atuarem. Imagine o problema da sua casa acontecendo na rua inteira, no bairro inteiro, na cidade inteira de uma vez.
Numa primeira análise você pode concluir que esse é um problema que afeta somente a concessionária, porém na realidade quando você empurra a correção da normalização da tensão para a casa das dezenas de segundos, outros equipamentos que de outra forma não teriam sido afetados pela falha começam a ser afetados pela demora na normalização da tensão e gera-se um efeito cascata.
Eles concluem o estudo propondo, entre outras possíveis soluções, a instalação pelos clientes de relés de subtensão com determinadas características.
Ao traduzir o gráfico do estudo eu introduzi uma adaptação. O estudo usa 240V como tensão na concessionária, mas a tensão aqui no Brasil é 220V mesmo entre fases nas regiões de 127V. Seria só uma questão de adaptar todos os números para 220V, mas existe uma pegadinha: se os mesmos compressores, com tensão nominal de 240V, são usados nos produtos vendidos aqui no Brasil, então é preciso fazer as contas como 240V mesmo quando a tensão nominal é 220V. O primeiro número refere-se a uma referência de 240V e o segundo a uma de 220V.
Parâmetros ideais segundo a SCE Corp. (usando uma referência de 240V)
- Valor da tensão de desligamento por subtensão em 78% da tensão nominal (187V)
- Tempo de resposta para desligamento (td1) de entre 6 e 15 ciclos (0.1 a 0.25s em 60Hz)
- Tensão de entrada em 85% da nominal (204V) por no mínimo 15s (td2) como condição para o religamento;
- Religamento do compressor em intervalos aleatórios de 3 a 5 minutos – O tempo mínimo é para evitar religar o condicionador logo após ser desligado para evitar dano ao compressor (meu condicionador split já faz isso) e aleatório para evitar que todos religuem de uma vez, o que já não é bom numa residência e fica ainda pior no contexto de ruas, bairros e cidades.
- Tensão mínima de operação de 40% da tensão nominal
- Contatos normalmente fechados (NF) – Isso é para evitar que uma falha no relé deixe o usuário sem o condicionador. Entretanto cria o problema de que uma falha no relé deixa o condicionador sem proteção. Eu prefiro usar com contatos Normalmente Abertos (NA)
É interessante acrescentar que na página 11 do estudo eles informam que na condição de travamento a corrente nos compressores subia rapidamente (até 0.3s) para cerca de 3x a nominal.
O caso das fontes de alimentação
No passado, todas as fontes eram do tipo linear, cujo principal componente era um pesado transformador. E para maximizar a eficiência (ou minimizar a ineficiência, dependendo do seu ponto de vista) precisavam ser projetadas de tal forma que não podiam tolerar grandes variações na tensão de entrada. Hoje você só vai encontrar esse tipo de fonte em produtos novos se forem equipamentos muito específicos nas áreas médica, de comunicação e talvez de som em faixas de preço proibitivas para o consumidor comum. Na prática quase todo equipamento eletrônico que você adquiriu para uso doméstico na última década e vai adquirir nas próximas usa fonte chaveada. E para baixas potências (menores que 120W?) elas são projetadas para operar de 100 a 240V sem que você precise ajustar nada. Assim como nos motores, quando a tensão de entrada cai a corrente aumenta automaticamente para manter a potência nominal especificada, mas ao contrário dos motores a fonte chaveada é projetada para esse comportamento e a máxima corrente de entrada, que ocorre na situação de menor tensão (100V) ainda está dentro dos seus limites. Fontes de maior potência como as usadas em computadores podem requerer (algumas são automáticas) que você mexa em uma chave para selecionar o uso em 127 ou 220V, mas ainda assim elas são capazes de operar normalmente em uma larga faixa de tensões. Essa tecnologia de fonte é naturalmente “estabilizada”. E, pelo menos no caso das fontes de baixa potência, essa vantagem é maior em redes de 220V.
Até lâmpadas LED contam com fontes chaveadas. Se você olhar as embalagens de Philips, Osram e Ourolux (por exemplo) vai constatar que são especificadas para operação de 100 a 240V. Pelo menos é assim aqui no Nordeste.
Condicionadores de ar que são anunciados como “inverter” (inversor) basicamente usam fontes chaveadas especializadas de grande potência para alimentar o compressor, mas não sei se o inversor alimenta também todos os ventiladores (existe um na unidade interna e outro na externa) ou apenas o compressor, então ainda é uma incógnita para mim se eles são naturalmente protegidos contra situações de subtensão.
Para terminar, acredito que se você mora numa região onde a tensão nominal é 127V, sua preocupação com subtensão em equipamentos eletrônicos deve ser bem maior do que a preocupação de quem mora numa região de 220V.
O relé de subtensão
Na minha opinião um equipamento que se destine a proteger outros contra subtensões idealmente precisa ter as seguintes características:
- Ter tensões configuráveis pelo usuário, já que classes diferentes de equipamento requerem cuidados diferentes;
- Que possa rearmar automaticamente para aqueles casos em que falta energia durante a noite e você vai preferir que geladeira e ar condicionado não permaneçam desligados até você acordar, suando;
- Que tenha um tempo configurável para que o rearme automático ocorra, ou no mínimo um tempo fixo suficientemente longo para evitar que aquele vai e volta da tensão que ocorre às vezes faça as cargas ficarem ligando e desligando;
- Que a tensão para desligar seja diferente da tensão para religar, para evitar que caso a tensão de entrada estabilize exatamente na tensão ajustada o relé fique ligando e desligando.
Normalmente relés de subtensão também monitoram sobretensão, mas eu vou dedicar pouca ou nenhuma atenção a esse recurso.
Veja em seguida: Análise dos relés TOMZN TOVPD1-40-V e TOVPD1-60-EC
Eu esqueci de arrematar.
Se você decidir pelo uso de relé de subtensão precisa ter em mente que o ideal é usar apenas no que realmente precisa. Você não vai querer que num evento de queda de tensão você fique sem luz e terminar o banho com água gelada quando poderia estar com luz e banho morno, só porque estava querendo proteger a geladeira. Se sua residência está de acordo com a NBR5410 (ou pelo menos a instalação foi feita por alguém minimamente competente) a iluminação já está mesmo num circuito separado das tomadas e o chuveiro tem seu próprio circuito, porém você vai deixar de assistir TV e acessar a internet também? Sua TV provavelmente opera de 100-240V e é quase certo que o mesmo se aplique a todos os roteadores, modems e switches que você tenha.
Pode ser preferível então, por uma questão de conforto, gastar um pouco mais para proteger apenas o que precisa ser protegido. Um relé para as tomadas da cozinha e área de serviço, para cada condicionador de ar e cada motor que tenha sido colocado de fora.
Entretanto os relés de subtensão eletrônicos podem ser úteis mesmo nos circuitos que não precisam de proteção contra subtensão, porque você pode aproveitar a programação do tempo de religamento para proteger seus equipamentos do vai e vem da energia que às vezes ocorre propositalmente, quando a concessionária tenta restabelecer o serviço. Você programa para desligar com uma tensão realmente bem baixa e para religar apenas um minuto depois que a tensão normalizar. Acabou o pisca-pisca de casa inteira.
Ei, dê uma olhada também no site da Penta Watt Eletrônica. Eles tem alguns protetores com relé e temporizador.
Jefferson, excelente esse post, uma aula e tanto. Tua capacidade de pesquisar a fundo os tópicos mais diversos e explicar com clareza é algo que merece elogios
Um pequeno detalhe que escapou:
Na verdade, como
(a potência é igual quadrado da tensão, dividido pela potência), uma redução da tensão à metade vai reduzir a potência da carga a 1/4 do valor nominal. A potência nas cargas resistivas é proporcional ao quadrado da tensão aplicada.
Caramba… ainda bem que você teve essa impressão, porque eu ainda não estou satisfeito com o texto e só publiquei porque você estava esperando.
Eu acho que a redação poderia melhorar. As informações estão muito “soltas”. Acho que para eu realmente dizer “ficou bom” o texto ainda ia crescer pelo menos 50%.
Obrigado!
Macacos me mordam!
Obrigado!
lá em casa, utilizei dois DDS238-VAP do modelo mais novo de botões azuis. um para cada fase 127v. tudo certo, configurado como mínimo 105, recuperação a 110v. máximo 135 e recuperação a 130v. ligar a saída após 60S e duração de mínimo ou máximo de 3Segundos. porém, ontem faltou energia e quando voltou, voltou com 127V em uma fase e 61V na outra fase. tudo certo, a proteção funcionou o tempo todo sem religar a saída da fase problemática. Porém, notei que a luz da cozinha, que está ligada na fase problemática acendeu. Então fui atrás do que estava acontecendo e por que das quantas a luz da cozinha poderia ser acesa via interruptor, ou seja, havia alimentação ali. Achei q poderia ser o próprio DDS238 sem ter efetivamente armado sua proteção. Então após pensar um pouco desliguei o Disjuntor bipolar do ar condicionado Inverter (que estava desligado, porem standby no Wi-Fi), e instantaneamente a luz da cozinha não pôde ser mais acesa. Entendi que de alguma maneira, a corrente elétrica estava indo pela fase “normal” e retornando pela fase “problemática”, realimentando todo setor da residência. O que entendi é que mesmo utilizando os 2x DDS238, ainda tem um calcanhar de Aquiles que é se ligar o chuveiro bifásico, torneira elétrica bifásica ou deixar o ar condicionado ligado no disjuntor, poderá realimentar o outro setor q estaria efetivamente desligado. Pensei foi em ter de instalar um Contator + relé falta de fase para ligar no circuito do ar condicionado, assim garantido que as proteções funcionem, já que utilizo os 2x DDS238 na rede principal da casa inteira, logo após o disjuntor da concessionaria. Alguma sugestão ou realmente é melhor utilizar um relé falta de fase?
E obrigado pela excelente explicação!
Estavas com 61V em relação ao neutro, mas entre fases? .
Com uma fase fora, pelo relé DDS238-VAP, terias em cima do ar condicionado 127V, e este ar condicionado em série com a a lâmpada.
Tens que considerar que se houver apenas uma fase esse ar condicionado não pode estar ligado.
Considere uso de um contator.
O ruim é que o relé DDS238-VAP não possui contatos auxiliares.
Tu terias que utilizar contatos NA de dois relés de subtensão Fase A – N, e Fase B – N, em série, para ligar a contatora do ar condicionado.
Assim ela só ligará se a tensão Fase-Fase e Fase-N estive adequada.
Sugestão, procure um relé de subtensão bifásico, Fase Fase Neutro.
cara, muito obrigado pelo estudo da SCE, esses dados me nortearam a configurar melhor o meu disjuntor eletrônico da TOMZ que você também cita em outro artigo aqui do seu site.