Tudo começou com um par de más notícias.
Eu uso óculos desde os seis anos, para corrigir miopia e astigmatismo. Dois problemas que só afetam a visão para “longe” (mais de um metro de distância). Mas minha visão para perto, que sempre foi muito boa, se deteriorou rapidamente no último ano, o que é uma condição normal para alguém que cruzou a linha dos 40 anos. Mesmo sabendo ser normal, quando o oftalmologista me comunicou que eu teria que passar a usar bifocais eu fiquei desalentado. O resultado dos testes rotineiros, especificamente a topografia das minhas córneas, indicava que eu não era candidato para cirurgia, por ter córneas finas e irregulares. E foi justamente o resultado de uma dessas topografias que trouxe a segunda má notícia: o oftalmologista (vou chamar só de “oftalmo” daqui em diante, ok?) observou que a irregularidade nas minhas córneas era um indício de que eu pudesse ter uma doença degenerativa das córneas chamada ceratocone.
O oftalmo me recomendou que eu fizesse um exame incomum, não coberto pelo meu plano de saúde e que custava R$250 à vista: uma tomografia dos olhos chamada Pentacam. E já saí de lá avisado que isso só serviria para guardar e fazer um novo exame idêntico, um ano depois, para saber se o problema tinha estacionado (boa notícia) ou estava degenerando.
Relutei em fazer um exame caro sem grande utilidade. Mas acabei cedendo à responsabilidade e fiz. Quando levei o resultado ao oftalmo, uma surpresa: eu esperava que ele confirmasse a possibilidade de que eu tinha ceratocone, mas em vez disso ele olhou para as tomografias e disse: “acho que você pode fazer a cirurgia”.
Eu queria ter visto a minha cara na hora.
O oftalmo me disse que precisava ainda da opinião de outro médico, criador do Pentacam. Ele iria mandar meus exames por email e uma semana depois me daria o resultado.
Duas semanas depois recebi a resposta: a cirurgia era possível e ia me custar R$5000. Ele pretendia resolver meus dois problemas, operando um olho para perto e outro para enxergar de longe. Eu não sabia que isso existia, mas não fiquei muito surpreso porque já tinha a noção de que o cérebro faz coisas espantosas no caso da nossa visão.
Fiquei espantado mesmo foi com o preço, mas me livrar dos óculos era um desejo antigo. Cheguei a usar lentes de contato por alguns anos, mas sou indisciplinado demais para tomar os cuidados necessários de higiene com as lentes (que seguidos à risca são chatos prá caramba). E por medo de acabar perdendo meus olhos com minha indisciplina, voltei a usar óculos. Negociei um desconto para pagamento à vista em dinheiro e marquei a cirurgia para um mês depois, dando-me tempo suficiente para estudar sobre ela (nunca tinha ouvido falar da tal PRK), considerar as promessas do oftalmo, e talvez desistir
Uma semana antes da data marcada fui fazer o pagamento e ser informado sobre o pós-operatório.
Quatro colírios foram receitados:
- Zymar
- Predfort
- Optive
- Acular LS – A recomendação foi comprar apenas se eu sentisse dor. Mas quem vai esperar sentir dor para procurar o remédio?
Todos precisavam ser administrados por oito dias após a cirurgia, nesta ordem, a intervalos de dez minutos, quatro vezes por dia.
16 de maio – 1o dia – a cirurgia
A cirurgia foi marcada para as 7:30. Cheguei às 7h com meus pais (alguém tinha que me levar de volta). O cirurgião começou a atender às 8:30 (quanto será que precisaria custar a cirurgia para você ser atendido na hora marcada?). Fui o segundo a entrar. Uma enfermeira me vestiu uma bata e protetores para meus sapatos, limpou meus olhos com iodo e aplicou um anestésico, que não afetou em nada minha visão.
Sou chamado para a cadeira do procedimento. A enfermeira avisa que vai aplicar um instrumento para manter meu olho aberto e eu acredito que ela faz isso sem mostrá-lo de propósito para não aterrorizar o paciente. Não doi nada, entretanto. O instrumento chama-se blefarostato e para dizer a verdade parece bem menos assustador quando não está aplicado ao olho:
Fonte da imagem
A enfermeira diz que vai pingar mais anestésico, mas quando sou puxado para baixo do laser sem que isso tenha acontecido ainda, preocupado, eu pergunto sobre isso. Não sei se ela tinha esquecido ou não, mas ela aplica mesmo.
O cirurgião repete insistentemente que eu olhe para a luz, mas eu já estou olhando! Confuso, procuro opções até ver que ele se refere a uma luz débil (um LED) que ora parece verde, ora vermelho. Eu só estava vendo as três fortes luzes brancas e estava olhando para uma delas. O cirurgião deveria dizer “olhe para a luz verde!”
O procedimento começa. Sinto como se o cirugião estivesse raspando meu olho com força usando um instrumento qualquer (não dói, mas incomoda).
Terminada a raspagem começa a operação do laser. Um barulho esquisito, de ficção científica, vem da máquina, e começo a sentir um cheiro que provavelmente é de córnea queimada. Não dói, mas é angustiante ter que ficar olhando direto para o laser enquanto este corta o seu olho, preocupado com manter olhar fixo e não mover a cabeça. Esta não fica presa em nada a não ser a mão do cirurgião, que me segura na posição com as pontas dos dedos. A única explicação que vejo para isso “não dar zica” é o computador ser capaz de seguir meu olho e reajustar a posição do laser em tempo real.
Terminado o trabalho com o laser, o cirurgião faz mais algumas coisas no meu olho, mas eu só consigo identificar a colocação da lente de contato de proteção no final.
O procedimento se repete para o olho esquerdo. A única diferença é que desta vez a enferemeira lembra de pingar o anéstesico antes de eu ir para debaixo do laser.
Não tenho certeza de quantas pessoas havia na sala, mas pelas vozes eram no mínimo duas enfermeiras além do cirurgião. Uma delas do lado direito monitorando o computador do laser e dando informações, enquanto a outra ficava do meu lado esquerdo assistindo o cirurgião.
Levantei da cadeira surpreso, porque já enxergava bem melhor do que era sem óculos. Eu esperava ver apenas “vultos” no primeiro dia.
A volta para casa foi difícil. De olhos fechados e cobertos com as duas mãos por causa do sol das 9:30, o trajeto pareceu beeeem mais longo. Se for passar por isso, vá num carro com ar condicionado e leve um rádio e algo para vendar o rosto. O trajeto parecerá bem mais curto.
A dor chega às 11:15 nos dois olhos de uma vez. Adiantei o uso dos colírios, mas sequer podia distingui-los e minha mãe teve que ajudar. E como eu segui a regra de aplicar na ordem, o para dor foi o último, aplicado 30 minutos depois. A dor passou pouco tempo depois de sua aplicação.
Segundo dia
5h
A dor voltou (segunda vez) ao abrir os olhos, mesmo na escuridão (eu tenho que ficar em um quarto sem luz). Como da outra vez, não podia abrir os olhos o suficiente para distinguir os colírios. Minha mãe teve que ajudar. E como da outra vez, a dor passou pouco depois da aplicação do quarto colírio.
É importante ter esse problema em mente. Se você não quiser ou não puder depender de alguém 24h por dia durante a recuperação, providencie antes um jeito de identificar os colírios sem vê-los. Pode ser até colocando em gavetas diferentes, na seqüência em que são usados.
Não confie na diferença de cores. Você nem sempre vai enxergar o bastante para ter certeza.
Fiquei deitado até as 11, tentando dormir.
14h30 – 1a consulta do pós operatório. O cirurgião me libera para dirigir e usar computador, desde que eu sinta que dá.
16 horas – já consigo usar o computador
18h – a acuidade visual piorou. Usar o computador está bem mais difícil
22 de maio
Nenhuma alteração. Sem fotofobia.
23 de maio – 1 semana após a cirurgia
Nenhuma alteração. Sem fotofobia.
Consulta com o oftalmologista às 14h40. Já fui dirigindo sozinho. As lentes de contato protetoras foram removidas. Na hora eu não notei, mas a visão piorou muito depois disso.
Mas como o médico me disse que nunca tinha visto uma recuperação tão rápida (antes de entrar eu fiz uma topografia dos olhos), estou confiante de que seja normal.
Tive que me apressar para voltar para casa, porque por volta das 16:30 eu já sentia a minha capacidade de dirigir muito prejudicada, apesar de ter saído de casa sem ter reclamações a fazer.
Adicionalmente, toda vez que pisco eu sinto como se houvesse algo nos olhos. A sensação parece até mais pronunciada do que quando eu estava usando as lentes.
O cirurgião me liberou para dormir sem os protetores e até mesmo tomar banho de piscina (ele disse que já estava cicatrizado, só restando uma “micro-cicatrização” a terminar). Mas quando eu lembrei que era o último dia dos colírios ele me recomendou a continuar o tratamento por mais quatro dias, por ser PRK.
E por falar nos protetores, dormir é um motivo de preocupação constante após a cirurgia. Eu só consigo dormir de bruços, mas durante a recuperação só podia dormir de costas e tinha que usar o protetor no rosto, porque é inadmissível acordar e , por reflexo, esfregar os os olhos.
Eu tirei uma foto de como fiquei com o protetor para a posteridade. Só não sei se essa tal posteridade vai gostar…
24 de maio
Fui dormir às 3h
Acordei às 7h para colocar os colírios e voltei a dormir.
Saí da cama às 12h20min, depois de colocar o último colírio.
A visão está muito ruim. Ainda sinto como se houvesse um corpo estranho nos olhos
Tive que ir trabalhar, mas usar o computador é difícil.
A fotofobia voltou leve 30 minutos depois que comecei a dirigir, por volta das 13h, mesmo com dia nublado de chuva fina. Tive sorte de chegar ao meu destino cinco minutos depois.
16h
A sensação de corpo estranho nos olhos diminuiu bastante.
19h
Também foi o primeiro dia que tive que dirigir à noite e não foi uma boa experiência. Cada lanterna dos carros à minha frente aparece múltiplas vezes e percebo que minha sensação de distância está prejudicada, decidi dar o triplo da distância normal para o veículo da frente.
25 de maio
1h
Notei que o olho direito está embaçando tudo e prejudicando minha visão para perto. Em um jogo de 32 chaves, não consigo discernir as chaves de fenda, as estrela… tudo fica distorcido, a qualquer distância. Entretanto, não sinto mais a sensação de corpo estranho nos olhos.
28 de maio
Nenhuma mudança na visão
O colírio Zymar acabou, coincidindo com as instruções do oftalmologista.
04 de junho
A fotofobia voltou à meia noite. Muita dificuldade para olhar para o monitor. Durou apenas 10 minutos. Saí para trabalhar às 5:30 sem problemas, mas às 08:30h, com o sol mais forte, não consegui dirigir sem colocar os óculos escuros (nunca tive essa necessidade antes). Aliás, sair a pé sob o sol do meio dia é doloroso.
Não quero ter que depender de óculos escuros. O mundo fica “diferente”, quase depressivo quando os estou usando;
Tentei fazer uma pesquisa de materiais em alguns armazéns de Recife mas desisti. A falta de nitidez na visão deixa a tarefa de procurar coisas nos corredores cansativa.
Posso dirigir, mas detalhes como nomes de establecimentos comerciais são muito mais difíceis de captar de relance.
De resto, nada mudou.
20 de junho
Fiz a consulta dos 30 dias. O oftalmo me disse que tudo corria perfeitamente bem e que no olho direito minha miopia havia zerado e eu tinha 0.75 no olho esquerdo (necessário para ver de perto). Me disse para não me preocupar, que minha visão ainda ia melhorar.
Quanto à fotofobia, ele disse que eu deveria ter continuado a usar o colírio Optive. Que eu vou ter que usar um colírio sempre (não gostei disso).
11 de dezembro
Pontos positivos (em relação aos problemas sentidos depois da cirurgia)
- A fotofobia desapareceu completamente. Já consigo andar de olhos abertos sob o sol do meio dia normalmente. Não preciso mais de óculos escuros para dirigir.
- Procurar itens em supermercados e armazéns não é mais incômodo;
- Não tenho dificuldade para usar computadores;
- Não tenho mais sensação de ter algo nos olhos quando pisco;
- Não sinto mais qualquer dificuldade para dirigir, inclusive à noite;
- No geral, no dia-a-dia, o resultado da cirurgia foi positivo.
Pontos negativos (em relação a como era minha vida com óculos)
- Tarefas com eletrônica são agora inviáveis sem uma lupa. Qualquer coisa a menos de um palmo do meu rosto vai perdendo progressivamente a definição até ficar impossível de discernir, que é o oposto do que acontecia antes da cirurgia;
- Parece que a diferença nos meus olhos está me impedindo de desfrutar filmes 3D com óculos ativos; A imagem sempre parece estranha e desconfio que meu olho operado para enxergar de perto, que não serve para enxergar à distância que fica uma TV, esteja atrapalhando;
- às vezes sinto dores incomuns nos olhos, mas ocorre menos que uma vez por semana. E também raramente lembro de usar o colírio. Quando lembro, é à noite na hora de ir deitar.
Essa sua história me lembrou uma situação que vivi a alguns dias.
Precisei levar minha filhinha de 5 anos de idade, ao pronto atendimento, um local onde o hospital da cidade, que se diz referência na região, faz os atendimentos particulares, planos de saúde e tal, ou seja, não era o SUS.
Chegando lá, me deparei com um cartaz enorme, colocado estrategicamente em um local onde ninguém poderia dizer não ter visto, com o tempo médio de atendimento de acordo com a gravidade do paciente.
Pois bem, tinha lá desde atendimento imediato, atendimento em até 30 minutos, atendimento em até 120 minutos e atendimento em até 240 minutos, isso mesmo, dependendo do seu problema, você poderia ter que esperar até quatro horas pelo atendimento.
Minha filha passou pela triagem e foi classificada para o grupo de 120 minutos, fomos atendidos em aproximadamente 90 minutos.
Moro em uma cidade aqui do Rio Grande do Sul, onde uma lei municipal determina que nos bancos, o atendimento seja realizado em até 20 minutos, sob pena de multas e outras sanções.
Agora acompanha meu raciocinio. Serviços de banco, eu diria que aproximadamente 80% deles, você consegue resolver sem nem ir ao banco, você pode utilizar o aplicativo no seu smartphone, ir a um caixa de auto-atendimento, ir até um correspondente bancário, utilizar o site do banco no computador, etc.
Quando você está doente, você não resolve o problema abrindo um aplicativo no smartphone, você não resolve o problema em um auto-atendimento em uma máquina, você precisa ir ao médico.
Está percebendo a ironia? Uma criança febril, com dificuldade em respirar, pode esperar 120 minutos pra ser atendida, enquanto alguém que vai para a fila do banco pagar uma conta, que poderia facilmente pagar aquela conta de inúmeras outras formas, tem direito a ser atendido em 20 minutos.
Infelizmente, como sempre fala um dos meus cunhados, nesse país está tudo errado!
Eu entendo o que você quer dizer mas infelizmente há uma lógica nisso. Se você abrir vaga para caixa de banco vai ter fila de gente qualificada se esbofeteando pela vaga. Conseguir médicos é muuuito mais difícil. E o problema está aí: na falta de médicos. Um problema que não pode ser resolvido (facilmente ou sequer a médio prazo) por uma lei.
Medicina vai acabar, :p
Diagnóstico por máquina/algoritmo em muito em breve vai superar completamente o trabalho humano. Já trabalhei em laboratório, é tudo pronto. Quem assina é o médico/biomédico mas quem laudou foi o equipamento.
Os equipamentos de Oftalmologia já são em sua grande maioria automáticos, quem opera normalmente é técnico em enfermagem ou auxiliar de consultório.
Acho que no começo deste ano vi uma matéria comparando o grau de sucesso de diagnóstico de um algoritmo com auto-aprendizado e médicos reais e a taxa de acerto foi maior com o algoritmo. É este o caminho e não tem volta.
Juro que eu li:
Parece que um dia a tecnologia vai tornar os ocultistas obsoletos…
Tou precisando ir no oftalmologista, e olha que a minha cirurgia, ceratotomia radial, feita à bisturi, já tem 25 anos.
Brincadeiras à parte, já há 5 anos uso óculos para filmes (meio grau de miopia em um olho, e 0.75 de astigmatismo em outro, sequelas da cirurgia), e para leitura, 1.5 graus de presbiopia. Mas aí, os meus quase 50 anos justificam.